domingo, 29 de abril de 2012

Clássica Popular - Vespa 150 Sprint 1968








No princípio era um sonho. E sonhar ocupa grande parte do dia de um pré-adolescente. À porta da escola preparatória em Ílhavo, o menino Barreto cobiçava a 150 Sprint do senhor Élio. Era vermelha, facto que não o impedia de a desenhar a carvão nos cadernos e imaginar como seria ter uma Vespa só sua. A vida foi oferecendo outros rumos, o vermelho foi-se esbatendo e a Sprint do senhor Élio talvez já não exista. Mas ficou uma marca. Aos vinte e cinco anos, os astros alinharam-se: um chassis Vespa, os primeiros salários pós universidade, e uma visita na hora certa à conceituada oficina de Ílhavo rastilharam o sonho, que pôde assim começar a ganhar forma. Fora da imaginação. E em cor vermelha.



 
As clássicas populares são, por definição, engenhos que apresentam o encanto do antigamente e que não exigem que vendamos o apartamento para as adquirir.  
 
As regras implícitas do mundo das máquinas antigas ditam que o valor de um veículo é determinado pela conjugação de três vectores base fundamentais: antiguidade; raridade; conservação.

A Vespa 150 Sprint é, provavelmente, a mais comum das Vespa clássicas que pode ser encontrada no nosso país. No final dos anos 60, vendeu-se em Portugal em números que podem adjectivar-se como massivos.








Com frequência sucede que os fenómenos de popularidade têm razões objectivas que os justificam. No caso da Sprint, era um veículo competente e equilibrado, em utilização e custo. 

Ora, perante grande parte das suas primas, a Sprint tem dificuldade em garantir justamente o requisito da raridade para vir a atingir valores de mercado exorbitantes, embora alguns vendedores se esforcem para lá do razoável para contrariar esta regra.

Este facto histórico, que pode ser uma desvantagem para alguns, é visto por outros como uma oportunidade. A Sprint é um modelo relativamente acessível, com uma linha dos anos sessenta com classe, e uma performance suficientemente decente para não empatar o trânsito numa estrada nacional.

Acresce que por não ser tão rara ou exótica, muitas vezes é eleita como companheira de aventuras mais despreocupadas, o que faz dela uma das mais utilizadas entre as antigas.

A conjugação destes factores torna a Sprint num dos principais modelos de entrada no mundo Vespa pela porta da mágica palavra "clássicas".









Experimentar uma Vespa clássica é muitas vezes enganador. A verdade é que, na prática, a tendência é para cada Vespa ser diferente de outra, ainda que o modelo seja exactamente o mesmo. Os anos pesam, os materiais não são eternos. Por vezes a vontade de alterar ou melhorar alguns aspectos funcionais prevalece. Noutros casos, a dificuldade em encontrar algumas peças acelera alterações que o proprietário preferia evitar. 
   
Esta Sprint que vêm nas imagem foi resgatada das trevas em 2005, e é propriedade do Luís Barreto, o menino Barreto do início desta crónica, um entusiasta dedicado que vibra quando fala do seu Vespão, bem mais do que o coração da máquina italiana em andamento.

Ao contrário do habitual, este exemplar não sofreu alterações cardíacas de monta. O cilindro é o Piaggio original em ferro e o pistão está no limite, exibindo a cota máxima para um cilindro com 150cc. Como se trata de um modelo de 1968, os transféres, que se mantêm intactos, são dois e não três, como nas Sprint posteriores. Por um lado é limitativo na performance comparativa, mas por outro obedece ao critério da originalidade.




O escape, fundamental num motor a dois tempos, é um Sito Plus ligeiramente reforçado na curva e rebaixado no bocal e no aperto ao cárter. A embraiagem também foi modificada a pedido do proprietário.




A alimentação está a cargo da original e italiana Dell´orto, com a referência correcta, 18/20. É sabido que um motor a dois tempos é especialmente sensível aos mistérios da carburação. O Luís entrega os truques da ciência da sua afinação à conceituada cada de Ílhavo dos irmãos Vidal. 

A combinação de mistura combustível/óleo usada no depósito é de dois por cento, com preferência para o produto nacional mineral, Galp. Até à data sem incidentes, excepto um agarranço causado por um esquecimento num abastecimento apressado.

O teste à Sprint beneficiou de um pano de fundo cénico sinuoso, e que dificilmente poderia ser mais belo: a visita à Serra da Estrela, em Março. Estrada seca, temperaturas quase amenas, o que significa termómetros em alta para a época.




Estava preparado para alguma dose extra de mau génio por parte do motor, característica que quase sempre encontro em máquinas com esta idade. É justo reconhecer que fui surpreendido. O equilíbrio e afinação rigorosa da carburação tornam a condução bastante mais suave do que antecipei, solicitando menos a urgência da atenção do condutor. Este facto, para além de reflectir o bom trabalho feito, permite algum conforto adicional na viagem, quer físico, quer psíquico, pois sabemos que mão de obra qualificada certifica mais fiabilidade.




Não esperem sentir vibrações sónicas, nem acelerações dramáticas. A performance é muito linear, trepa rotações com alegria mas sem urgência nos regimes baixo e médio, e só fica mais afónico nas notas altas, que não é o seu habitat natural. Ainda assim, surpreendentemente solto para a minha expectativa, em face da suavidade e regularidade do funcionamento, em especial se não perdermos de vista que o grupo térmico atrás do balon direito é o original. Que não foi pensado para ser propriamente um motor de corrida, mas sim para levar o seu proprietário ao trabalho, ao campo e à praia, sem preocupações que não fossem a economia e a fiabilidade.

Globalmente, esta Sprint seria a clássica que aconselharia a quem quer uma Vespa de época, anterior aos anos 70, com o equilíbrio ideal entre design, fiabilidade, performance e economia na aquisição e na manutenção.  

O único capítulo em que se notam debilidades é o da travagem, ténue e tímida. O que é pena, pois acaba por limitar o prazer de explorar um motor tão honesto, e a agilidade típica de uma Vespa, pela Serra fora.

Estranhei também alguma dificuldade em ir buscar a quarta quando precisava de reduzir, pois a manete pareceu-me sempre demasiado escondida para baixo, sensação que nunca havia experimentado numa Vespa clássica. De resto, nota máxima para o banco Corsa, muito bonito, e que foi objecto da atenção do Luís que o afinou a seu gosto, de modo a que ficasse mais baixo e se ajustasse melhor à linha da Sprint. 






É mais uma alteração reversível simples, que confere personalidade extra a uma Sprint que tem muito do seu proprietário, mas que se mantém no equilíbrio certo, porque é impossível não ver nela, em simultâneo, uma clássica popular de pleno direito.