terça-feira, 19 de outubro de 2021

Honda NC700D Integra - Review

 



A Compra 


A minha história com a Honda Integra começa em Junho de 2020, quando a comprei. Foi uma compra algo estranha. Na verdade, não me lembro de ter comprado outra moto ou scooter com tantas dúvidas. As duas únicas coisas de que estava seguro era que não tinha a certeza de que me fosse adaptar e que, face à negociação que tinha feito, estava suficientemente confortável para a vender sem grande perda daí a um ou dois meses, ainda no verão, se concluísse que não servia as minhas necessidades.


A primeira frase do parágrafo anterior não é completamente exacta. Em Novembro de 2010 tive a oportunidade de ver de perto o protótipo do que viria a ser a futura Integra, que seria lançada no mercado em 2012, precisamente o ano do modelo que viria a comprar. Pareceu-me, na altura, um conceito com franco potencial. Mas quando se anunciaram os preços do modelo rapidamente me desinteressei, até porque não era meu propósito à época comprar uma moto com aquele porte, e muito menos nova. 


Oito anos depois, ali estava eu, frente ao vendedor, na dúvida. 


Curiosamente as dúvidas tinham pouco a ver com a moto em si. Eram perguntas que não tinha respondidas essencialmente de duas ordens: por um lado, até que ponto seria exequível para mim lidar no quotidiano com o peso da moto e o seu acesso, isto é, montar e desmontar. Pode parecer estranho, mas esta era uma limitação que preenchia parte importante do topo das minhas prioridades atendendo a que as dores que me acompanhavam quase diariamente e um incremento substancial no peso e na dificuldade de acesso (perna por cima do banco) não iam certamente ajudar. Por outro lado, numa larga maioria do meu tempo chega-me uma scooter mais pequena e leve para andar na cidade. A X8, desde que suficientemente fiabilizada, era perfeita para essa tarefa.


Feita a compra da Integra  - em vinte e quatro horas - andei pouquíssimo no primeiro ano. Primeiro porque a pandemia nos fechou em casa a quase todos. Depois porque enquanto não vendi a Piaggio X8, a Integra manteve-se numa garagem em Lisboa, saindo esporadicamente para umas voltas.


Só a partir de Abril de 2021 comecei a usar a Integra todos os dias, à chuva e ao sol.


Em Junho de 2021 fiz cerca de mil e oitocentos quilómetros no regresso ao Lés a Lés depois de anos de ausência e em Julho, a tradicional volta anual dos 4onTour, a adicionar quilometragem semelhante. 


Estou com cerca de dez mil quilómetros rodados nela, o que me permite ter uma visão mais detalhada das suas virtudes e dos seus defeitos.





Conceito



A Integra é uma das várias derivações do conceito NC da Honda. Inicialmente eram três: uma naked (a S), uma moto de "aventura" (a X) e esta híbrida, a meio caminho entre uma scooter e uma moto (a D). 


A partir de um quadro, motor, suspensões e travões comuns - provando que as sinergias podiam ser exploradas a um nível que não me recordo de ver até então no mundo das motos - a Honda oferecia ao mercado três motos muito diferentes por fora. Das três, a Integra (NC700D) era a mais cara, a que menos sucesso teve, e talvez a mais interessante de todas.



Para que(m) serve ?


Não é uma moto para jovens aceleras. Ainda estou para ver algum condutor com menos de 40 anos numa, o que ainda há pouco tempo confirmei com um vendedor da Honda em Lisboa.


É uma moto madura, para quem não tem pressas, que simultaneamente exige boa protecção aerodinâmica e que poupe o condutor à exposição aos elementos, com bom desempenho em cidade, económica, despachada, fácil e descomplicada, que não se negue a umas curvas mais espirituosas, e com a qualidade de um construtor fiável, com provas dadas, e uma ampla implementação no mercado.


Não serve para quem não possa prescindir do baú debaixo do banco com ampla arrumação, incluindo um capacete integral, pois o espaço de carga na zona do falso depósito NC apenas alberga, nesta D, um demi-jet. Em alternativa, temos o sempre inestético top case, que a Honda vendia sem acréscimo de preço, tentando ultrapassar essa limitação à nascença. Há também malas laterais específicas disponíveis. 



Motor


Habitualmente diz-se do motor de uma moto que é a sua alma. Normalmente isto significa capacidade de fazer rotação, entregar adrenalina, um tacómetro a entrar facilmente nos dois dígitos e uma alegria de funcionamento na sua segunda metade.


Nada disso se passa nas NC.


É corrente ouvir-se dos seus detractores que é quase um motor a gasóleo, pois rapidamente esgota e, mais importante ainda, não mostra qualquer apetência pela banda alta da diminuta faixa de utilização, que neste caso está acima das 5000 rpm e termina logo a seguir, antes mesmo das 6500 rpm.


Compreendo perfeitamente estas críticas. Eu próprio, quando experimentei logo em 2012 uma NC700, fiquei baralhado e até surpreendido no mau sentido, pois não compreendia por que razão a Honda teria abdicado propositadamente da "alma" da moto.


Só em 2015, quando tive oportunidade de explorar melhor uma NC700X durante quase dois mil quilómetros em dois dias, é que compreendi na sua plenitude as vantagens e encanto do conceito, que escapam a tanta gente.


O motor não vai ganhar nenhum concurso de potência ou entusiasmo. Porém, em conjunto com o DCT, e na vida real, é tão fácil, amigável e eficaz numa boa estrada de curvas que chega a ser embaraçoso para outras propostas mais espigadas, quando bem conduzido. Tudo o que se pede é um condutor despido de preconceitos, disponível para, de mente aberta, lhe dar uma oportunidade para mostrar o que vale.



Transmissão


A Integra é a única NC que não está disponível sem DCT, acrónimo de Dual Clutch Transmission. Trata-se de uma transmissão por enquanto só oferecida pela Honda, em que as acções sobre a embraiagem e sobre a caixa são feitas automaticamente pela moto, enquanto simultaneamente o condutor pode usufruir das sensações de uma caixa manual a qualquer momento (sem sujar a bota esquerda), podendo seleccionar a mudança que quer engrenar através de dois botões + e - colocados no punho esquerdo. Não há CVT ou "embraiagem centrífuga". A transmissão final é feita por corrente e a caixa é de 6 velocidades.


O sistema DCT usa duas embraiagens: uma para o arranque, a 1ª, 3ª, e 5ª velocidades, e outra para a 2ª, 4ª e 6ª velocidades, o que torna as trocas de caixa substancialmente mais rápidas e eficientes.


Nesta primeira encarnação da NC700 estão disponíveis os modos AT e MT.


O primeiro divide-se em D, que troca de caixa na banda de rotação mais baixa, e o S, que o faz mais acima no tacómetro. Neste modo AT o condutor pode, a qualquer momento, engrenar mudanças para cima ou para baixo. Note-se que o sistema é inteligente. Isto é, se, por exemplo, rolarmos em 6ª a 80 kms/h e rodarmos o punho a fundo, a moto irá engrenar a 5ª, porque percebe que o condutor quer, por exemplo, fazer uma ultrapassagem. E se mantiver o punho enrolado só irá trocar para 6ª já perto da zona vermelha. A menos que o próprio condutor reclame para si o controlo total e carregue no botão +. Ou que o condutor alivie o acelerador, o que o sistema entenderá como correspondendo à desnecessidade de manter o motor em carga total.


No segundo modo, é o condutor que troca de caixa quando entender, sendo que o sistema não permite sobreregimes - o que protege o motor - nem que o regime desça demasiado. Por exemplo, ao parar num semáforo, se o condutor se esquecer de reduzir de 6ª até à 1ª, a moto fá-lo-á sucessivamente até que se veja a 1ª engrenada. O arranque é feito apenas rodando o acelerador, com a acção da embraiagem a ser feita pela moto sem intervenção do condutor, pelo que é impossível que a moto "vá abaixo".


O sistema funciona bastante bem e é uma mais valia em especial em cidade, ou em qualquer situação em que não nos apeteça engrenar as mudanças manualmente. Tem também uma vantagem significativa face ao sistema CVT comum nas scooters "aceleras", pois não existe qualquer atraso na entrega de potência, que é imediata ao acelerador, sem intermediação de um variador.


Em suma, corresponde a uma solução alternativa à transmissão/embraiagem totalmente manual ou a uma transmissão CVT, tentando, em minha opinião com bastante sucesso, reunir as vantagens de um e de outro. A desvantagem é a complexidade mecânica e o peso do sistema.


Face à evolução de mais de 10 anos entretanto verificada - recordando que o primeiro modelo a ostentar o DCT foi a VFR1200, em 2010 -, é óbvio que os novos modelos DCT são muito mais rápidos e eficientes, com mais modos e superior personalização. Por exemplo, ao experimentar as primeiras X ADV verificamos que o modo S passou a ter três níveis distintos, o que aumentou, em muito, a utilidade deste modo. Hoje em dia, com a nova Forza 750, existe já um modo totalmente personalizável o que, acredito, poderá transformar a experiência para melhor. Assim que a minha clavícula o permita, conto experimentar.


Mas, na prática, que avaliação faço deste DCT da Integra 2012 ? Bom, se nunca tivesse experimentado as versões posteriores, diria que além de relaxante, estava próximo do melhor dos dois mundos.


Porém, os avanços registados são notórios e permitem perceber as limitações do DCT 20212: o modo D tem algumas insuficiências à volta dos 70kms/h, pois engrena a 6ª velocidade se estivermos com punho muito leve, quando a moto beneficiava em manter a 5ª perto dos 80kms/h, pelo menos. Se engrenarmos a 5ª manualmente e mantivermos o curso do acelerador, é provável que a moto engrene a 6ª novamente, o que é um pouco irritante.


Por outro lado, o modo S é, em minha opinião, quase inútil. Não tendo possibilidade de o personalizar com os três modos da versão 2016-2020, usa uma banda de rotação demasiado alta, comparável ao S3 nas versões mais recentes da Integra. Isto significa que raramente o motor vai suficientemente solto, o que não é tanto do meu agrado, e não usa os regimes em que o motor está mais à vontade. Na prática, quase nunca uso o S, preferindo quase sempre o controlo máximo do modo MT, quer em estrada aberta, quer em condução mais empenhada. Reservo o modo D para cidade ou auto-estrada. Ou para quando não me apetece simplesmente engrenar mudanças. 


Estas limitações não apagam as vantagens do sistema tendo em conta o tipo de moto que é e o estilo de condução a que convida. 



Quadro, Suspensões, Travões


A Honda apresentava a Integra no seu catálogo no separador Scooter. Na verdade, trata-se de um modelo com características de scooter, no que ao sentido prático diz respeito - protecção, DCT, economia e conforto - e, ao mesmo tempo, com características de moto, já que a escolha das rodas de dezassete polegadas com pneus de moto num conjunto de média cilindrada é algo nunca antes tentado no segmento scooter.


Como já vimos o quadro, as suspensões e os travões são idênticos aos da X e da S, que são propostas de estrada, pelo que a Integra herda os mesmos defeitos e virtudes.


O quadro tem geometrias e rigidez de moto, mais do que suficientes para proporcionar sensações em estrada que estão longe de uma maxi-scooter. O peso, embora muito elevado (236kg), é muito equilibrado entre eixos (50,5%-49,5%) pelo que o comportamento beneficia disso, estando totalmente ausentes as indecisões típicas de maxi-scooters a traçar trajectórias perto dos limites, ou a travar em apoio, fruto da menor rigidez do quadro, da distribuição de pesos desequilibrada, e dos próprios compromissos assumidos no que toca às suspensões.


Como contrapartida, não temos disponível um verdadeiro "met in". Curiosamente a NC X e a S não padecem deste mal, pois na zona do falso depósito podemos guardar um capacete integral. Apenas a Integra não permite essa flexibilidade, o que é um dos seus maiores defeitos. Provavelmente esta característica acabou com a sua carreira comercial, pois a Honda decidiu descontinuá-la em 2021 e a sua sucessora opta por uma roda de quinze polegadas atrás e um verdadeiro "met in", como que confirmando que é isso que os clientes querem.


No capítulo da suspensão nota-se qualidade bastante acima das maxi-scooters. O amortecimento é bom, embora melhor atrás. À frente preferia que fosse menos macia do que é. Comparando com a X ADV há, no entanto, um mar de diferenças, com vantagem clara para esta última. Quer a qualidade das forquilhas, quer o braço oscilante em alumínio e mais longo tornam a X ADV uma opção que facilmente paga a diferença de preço só nas suspensões. Nota-se muito, por exemplo, em estradas com desníveis e abatimentos de pavimento, em que o comportamento da X ADV é bastante mais são e composto, quase imperturbável, enquanto a Integra tende a esgotar o seu curso em desníveis mais violentos.


Os travões são outro dos mitos que rodeiam as NC. À frente há apenas um disco, o que é geralmente visto como uma forte limitação. É verdade que a moto é pesada. Porém, o travão parece-me suficientemente potente, mesmo em condução mais exigente, nunca tendo experimentado sequer qualquer sinal de fadiga. É verdade que exige alguma força na manete, mas não diria que o disco frontal é insuficiente. Em minha opinião cumpre bem, é doseável, e beneficia ainda do CBS com ABS, sistema que curiosamente foi abandonado na Integra nos modelos posteriores a 2014 e que me parece bastante útil.



Ergonomia / Conforto 


Este é claramente um aspecto em que a Integra marca pontos. Posição de costas direitas, pernas em ângulo recto, braços a cairem no guiador a uma altura correcta, de forma natural e sem qualquer ponto de stress óbvio na coluna. O guiador tem uma largura adequada, alavancando bem a direcção sem ser demasiado largo, atendendo às necessidades da utilização urbana. Os espelhos são bons e quase sem vibrações. O painel digital, embora pequeno, tem informação suficiente e é de fácil leitura, mesmo com incidência de luz solar forte. Os comandos são fáceis e intuitivos, com excepção da buzina, colocada no punho esquerdo ao centro em vez de em baixo, no lugar onde se encontra o botão "-", para reduzir a caixa. Ao fim de alguma habituação ultrapassa-se, mas até lá iremos reduzir uma mudança sempre que quisermos usar a buzina!


A posição dos pés pode alternar mais à frente ou mais atrás nos skis, tal como numa maxi-scooter, embora a altura do banco seja maior na Integra. Isto permite que a sensação de peso do corpo não esteja tanto sobre a bacia e fique mais distribuído, com a posição das pernas e joelhos num ângulo mais recto.


Uma das poucas alterações que fiz à minha Integra foi a aquisição de umas pezeiras de moto específicas, para colocar atrás dos skis. Não são baratas, mas talvez seja o melhor acessório que se pode comprar para uma Integra pois permitem variar ainda mais a posição dos pés, especialmente em viagens longas, e conferem maior controlo quando em condução mais agressiva. 


Um alerta para condutores mais altos. Quem tiver mais de 185cms deve evitar este primeiro modelo, ou pelo menos prestar muita atenção a este aspecto quando experimentar. Só a partir da segunda geração é que a Honda resolveu um problema básico de ergonomia para condutores mais altos, que fazia com que estes batessem com os joelhos no painel plástico que se encontra imediatamente à sua frente.   


No que ao banco diz respeito, o do condutor é muito agradável, quer em ângulos, quer em conforto. Mas o meu exemplar foi estofado com gel pelo anterior proprietário, pelo que esta opinião deve ser entendida com um forte asterisco. Atrás o banco é diferente e parece-me duro e talvez estreito, porém nunca experimentei. A utilização esporádica que tem sido feita no banco traseiro não tem retornado queixas, mas nunca fiz uma verdadeira viagem a dois para poder opinar de forma mais sustentada.


O ecrã é alto embora relativamente estreito do meio para cima, por causa da altura do guiador. Existem ecrãs alternativos no mercado, mas nenhum deles resolve esse problema de forma definitiva. Instalei um ecrã adicional sobre o topo do original, mas depois de várias experiências e alguns milhares de quilómetros, não estou totalmente convencido que seja a melhor opção. Algum ar sujo entra pela lateral do ecrã e não pelo topo, o que cria zonas de turbulência indesejáveis. De todo o modo, a protecção é óptima para uma moto, deixando apenas descobertos os ombros e a parte superior do capacete para quem tenha uma estatura similar à minha, 170cms.


Um dos pontos fracos da moto é os seu peso elevado. 236kg é muito e isso nota-se bastante a manobrar a moto parada. Curiosamente a baixa velocidade não se sente tanto como seria de supor, pois os quilos estão tão bem distribuídos entre eixos que a moto tem um comportamento muito neutro e equilibrado nessas situações. O peso volta a notar-se bem em estradas sinuosas a ritmos elevados, exigindo alguma força e antecipação do condutor nas transições de direcção. Porém, desde que se saiba o que se está a fazer e se respeitem as leis da física, a moto é previsível e benigna. Se se apanhar algum susto será porque algo estamos a fazer de errado.


O peso em excesso é mau, sem dúvida, mas tem uma vantagem: com muito vento e a velocidades de auto estrada a moto é muitíssimo estável.



Prestações


Com cerca de 51cv e 670cc para 236kg a Integra nunca será um foguete.  Porém, a forma linear e suave como entrega a potência disponível desde muito cedo permite rolar a bom ritmo, pelo que qualquer condutor minimamente competente pode impor cadências respeitáveis e com muito pouco esforço ou (até) aplicação. Em auto estradas alemãs é possível rolar facilmente a cerca de 170kms/h, sendo mais difícil e até desnecessário progredir muito mais. As saídas dos semáforos na cidade são incrivelmente eficientes e sem qualquer alarido, discrição que valorizo. Em estrada aberta a moto permite gozar uma condução viva e agradável, desde que o condutor seja capaz de a conduzir solta, aproveitando o binário generoso e o comportamento são da ciclística.



Economia


Quanto a consumos , a Integra não foge à regra das NC: são brilhantes, desde que não se role a fundo em auto estrada.


Em ciclo urbano é fácil obter 4lts/100 e, em estrada aberta, sem grandes abusos, 3,2 - 3,6lts são perfeitamente possíveis. No meu passeio de Julho no Douro Internacional e Serra do Açor fez dois depósitos a 3,2l/100, o que não pode ser considerado menos do que excelente.


O depósito tem 14 litros, sendo 1,9 de reserva. Autonomias de 300 quilómetros em estrada antes de reserva são bastante fáceis se o ritmo for tranquilo, sendo a autonomia teórica superior a 400 quilómetros.


A manutenção é outro ponto positivo, pois apenas requer revisões a cada 12.000 quilómetros, com intervenções maiores a cada 24.000. A revisão dos 48.000 quilómetros, que é a maior, em concessionário oficial, custou-me abaixo de 300Eur.



Conclusões


A NC Integra não é uma moto para as massas, ou que arrebate paixões. Oferece um pacote prático para um uso misto, incluindo em cidade, onde peca apenas pela quase obrigatoriedade de uso de um top case. O motor exige alguma reprogramação da mente mas é absurdamente fácil e prático quando o compreendemos, bem complementado com a caixa DCT. O comportamento é o de uma moto despachada e sólida, sem pretensões desportivas, e sem ser exuberante em nenhum item. Económica de usar e de manter, é uma moto madura, para motociclistas maduros. 


MAIS: economia; qualidade; robustez; protecção aerodinâmica; DCT; posição de condução e conforto (média estatura); facilidade de exploração do motor/caixa; conjugação das características de moto com scooter; value for money usada.


MENOS: ergonomia para estaturas mais altas (corrigido »MY2014); peso excessivo; ausência de met in para capacete integral; suspensão da frente macia; corrente (manutenção face a veio); demasiados painéis plásticos para manutenção fácil DIY.  














Fotos nº 2 e 5: Paulo Ministro

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

F(r)actura


Sexta feira 13. Depois de uma manhã inteira a andar de Bianca, trazendo-a finalmente para Lisboa, decido dar um salto à Oldscooter para marcar uma revisão de rotina.

A desesperar do calor insuportável, deixo o blusão em casa. Quando regresso para ir guardar a Vespa na nova garagem lisboeta, preciso de boleia para regressar. É-me oferecida pelo Zé, meu amigo de infância, que me disponibiliza a minha antiga GT200. Iríamos os dois fazer o percurso de não mais de três ou quatro quilómetros. Sou eu que tiro a GT da garagem e continuo aos comandos quando o actual dono-passageiro sobe.

A viagem é curta e acabará mal: circulamos devagar, a meio da tarde de uma sexta feira de Agosto. Não há trânsito. Vamos a conversar boa parte do caminho, em ritmo de passeio, realmente devagar. Não vou concentrado no que estou a fazer. 

Ao passar num cruzamento entre duas avenidas da capital não reparo que vou colocar a roda da frente em cima de uma tampa de esgoto e... crrrreeezzzzzzzzhhhhrrrr*/&%...

GT200 no chão, a deslizar sobre o lado esquerdo até se imobilizar. A queda não foi aparatosa, a velocidade era baixa, não mais de quarenta. Mas o peso do meu corpo recaiu quase todo no meu ombro esquerdo, "protegido" apenas pela t-shirt. Resultado, fractura da clavícula e umas escoriações ligeiras, para além do orgulho em baixo. O dono da Vespa, felizmente, sofreu apenas uns arranhões. Quanto à GT, em breve voltará à estrada com renovado brilho.

Seguiu-se cirurgia que demorou muito mais a marcar do que seria desejável. Com o país a banhos, nunca fracturem nada a meio de Agosto. Dores, noites sem dormir e incapacidade para trabalhar levaram-me a umas chispas de desespero ocasional.

Cirurgia feita com sucesso e aí está a placa de titânio e respectivos parafusos, garbosamente exibidos no negativo em forma de raio-x.  

Seguem-se meses de fisioterapia, uma experiência nova para mim, e que já percebi que é um exercício de persistência e muita paciência. Comecei nos alvores de Outubro e parece que já lá ando há meses.

Mas as scooters não estão esquecidas. Pelo contrário. Tenho aproveitado este período de paragem forçada para melhorar o meu equipamento de segurança. Um casaco novo de verão (que me teria sido muito útil caso o tivesse vestido naquele dia insuportavelmente quente), umas botas, umas calças de ganga com protecções.

Moral da história: nunca descurar o equipamento. Nunca conduzir distraído. Eu sei bem que é mais fácil dizer do que fazer. Mas aprendê-lo através da pele e do osso é a maneira mais difícil de aprender.

 



    

terça-feira, 11 de maio de 2021

Três Scooters e Um Filme

 



Três. É um número. Porque razão é tão diferente ter três em vez de quatro scooters? 

Quando comprei a Honda Integra, sempre soube que teria que reduzir a três, vendendo a própria Honda ou a X8. 

Mas porquê? Porque não descer de duas para uma? Ou de três para duas? Qualquer delas mais racional, por ordem decrescente, do que reduzir de quatro para três. 

Talvez porque três é mais uma do que as duas especiais. E permite-me usar uma sem grandes limitações ou preocupações. O que chega. Se fossem três especiais talvez o número ideal fossem quatro scooters. 

Mas não há nenhuma razão universal para ser assim. Para muitos, uma scooter seria sempre uma scooter a mais. 

Para alguns dos amigos que compreendem esta adição, três é até um número relativamente modesto. Há quem tenha duas, três, quatro... mais de dez scooters. E se lhes perguntarmos se são coleccionadores a resposta é invariavelmente não. Há um certo horror ao termo coleccionador. Ou talvez seja um estigma. Um rótulo pejorativo que significa que (quase) não rolas na tua scooter. Que talvez quisesses secretamente ter um museu de scooters, sacrilégio último e letal. 

Curioso é que me parece que existe um espírito de coleccionador maior entre os proprietários  Lambretta, do que entre os proprietários Vespa. Nunca percebi bem porquê, mas basta atentar num encontro Lambretta ou num encontro Vespa. Nos encontros da casa de Milão, muitos chegam de atrelado, sendo excepção os que aparecem a rolar. Nos encontros das máquinas de Pontedera é exactamente o inverso.

Eu não sou um exemplo raro e muito menos único no facto de ter simultaneamente uma Lambretta e uma Vespa. Muitos amigos e conhecidos têm ambas. Mas a minha abordagem a este fenómeno é um pouco diferente. Sempre quis ter scooters que andassem, isto é, aptas a sair desde que estivesse disposto a dar uma volta, sendo necessário apenas rodar a chave. Esse critério é definido simultaneamente por convicção e por oportunidade. 

Convicção porque não sendo mecânico amador, nem tendo espaço, tempo ou ferramentas, não me serve de muito ter um projecto a ocupar espaço físico. E também mental. 

Oportunidade porque verdadeiramente nunca procurei um projecto, nem nunca me deparei com um "barn find" suficientemente aliciante.  Quando e se isso acontecer logo se vê se a convicção resiste à oportunidade.




Curiosamente, o facto de querer ter sempre as scooters operacionais não quer necessariamente dizer que queira andar nelas sistematicamente até que me doa a espinha. 

Pelo contrário. 

Apesar de ter a minha dose de viagens improváveis e longas com scooters lentas, a verdade é que comprei uma Vespa nova em 2010 com a intenção de envelhecer com ela e - estranho - usá-la muito pouco. Exactamente o mesmo tipo de abordagem que um coleccionador adoptaria. Só não compraria novo. 

E quanto à Lambretta? Adoro andar nela, mas tivesse eu espaço e oportunidade e talvez estivesse exposta na minha sala de jantar, nem sequer na garagem ficaria.

Isso faz de mim um coleccionador? 

E se não faz, por que razão é que esta relação com estas duas scooters é assim? Preservar até ou mesmo para lá do razoável, usando muito pouco, mas não deixando de usar? 

Eu diria que não deixo de usar em primeiro lugar por uma questão pragmática, porque tenho a noção de que se estragam mais paradas, como qualquer veículo a motor. 

Em segundo lugar porque sendo tão diferentes entre si, ambas me proporcionam sensações e ligações emocionais que me conectam à minha história, ao meu filme. Ao que é ou foi importante para mim, às razões pelas quais as comprei. Porque me fazem sentir cada ocasião em que as uso como especial. Ou simplesmente porque me demoro a olhar para cada uma delas com uma certa ternura algo embaraçosa de explicar. 

Não é tanto o que elas são ou fazem enquanto scooters, mas a percepção que eu tenho do que elas fazem e, sobretudo, como fazem. Isso é o que me faz não abdicar de (me) ligar (a) cada uma delas, e de querer, simultaneamente, preservar o seu estado de uma forma intransigente.

Porque, no fundo, o filme delas se entrelaça no meu filme emocional.